Thursday, July 19, 2007

Histórias de Embalar (cap IV)

Pedro, acordou meio atordoado. Estava numa cama de hospital.

"- Grande porra! Era só o que me faltava!", pensou Pedro, mas nisto sentiu uma dor arrepiante ao ter-se mexido e soltou um grito instintivamente.
Nesse momento apareceu uma enfermeira.
Ruiva, dentes brancos, blusa branca, saia branca, touca branca - só lhe faltavam asas, porque parecia mesmo um anjo - era linda!

Mas o êxtase foi curto, a dor era tão atroz que logo Pedro voltou à Terra.

Katya (era o nome do anjo ruivo), acudiu sossegando-o e enquanto preparava uma injecção para lhe tirar as dores, contou-lhe como ele fora ali parar: o Sr Frédéric, maqueiro do hospital, tinha-o encontrado postrado no chão, esvaido em sangue bem no meio do parque. Sem calças, sem sapatos, sem carteira, sem relógio, ...
Um tiro na zona abdominal e uma fissura na cabeça.

Pedro tinha sido salvo a tempo, explicava Katya tentando esconder a sua angústia"- mais uns minutos e já não havia nada a fazer: perdeu demasiado sangue!"

Pedro nem queria acreditar, esperava-o pelo menos 3 semanas no hospital, "lá se vai o meu emprego!", pensou, mas rapidamente sorriu e um novo alento lhe desatinou o bom-senso ao olhar Katya: "- humm, és mesmo linda!" melava-se ele no pensamento quando de repente "-... aiiiii!!", sentira bem a dor da picada surpresa da agulha. O anjo ruivo sorria, numa cumplicidade materna, doce e ... derretida.

Passados 2 meses, Pedro para além de ter recuperado do acidente e de ter passado a chefe da contabilidade da oficina, tinha também finalmente conseguido convidar Katya, o seu anjo ruivo, para sair.

Ia sair com Katya nessa noite. Combinaram às 20h30 à porta do Theatre du Centaure.

Outra reviravolta estava prestes a acontecer na sua vida.

(continua)

Histórias de Embalar (Cap III)

Dia e noite. Trabalhava Pê na oficina "Merveille du Portugal": a oficina de Tonito. Dia e noite.

Ao fim de 3 meses, Pê conseguira juntar o suficiente para pagar a Dª Teresinha pela estadia na sua pensão e ainda assim começar a endireitar a sua vida.

Para ele era duro, uma prova bem dificil, mas iria suportá-la.

Nunca tinha percebido o quão dificil era trabalhar horas e horas e receber pouco, não ter folgas, nem festas, nem alucinantes, nem amigalhaços para jogar, nem Porsche Carrera para se regozijar de cabelos ao vento como antigamente, nem tempo para engatar miúdas e nem apetite para as procurar. Depois de Táta, nada nem ninguém o poderiam voltar a satisfazer. Até porque Pê não se queria mais satisfazer.

Reparara que afinal era a sua escolha e sentia-se bem assim, sózinho.

A sua única necessidade era alimentar a alma de esperanças e alentos. Os afectos estavam fechados numa caixa e a chave, perdida em nenhures... assim pensava Pê.

Tonito e Pê tinham-se tornado amigos, mas não como os outros, os da outra época.

Com Tonito, Pê podia falar de si próprio que alguém ouvia e se interessava; não escondia o seu passado; tinha sido aceite pelo que ele era e demonstrava ser e não pelo que possuia, que aliás, era agora nada.

Tonito não era bem o anjinho que Dª Teresinha pensava, mas era um bom amigo e um bom patrão e isso é que importava.

Começou a ter folgas de vez em quando e aproveitava para dar uns passeios pela cidade.
Luxemburgo era um meio pequeno, mas era um novo grande mundo para si e Pê voltara a ser: Pedro!

Certo dia, num dos seus passeios pelo parque, dois individuos de estatura mediana, larga e roliça, abordaram Pedro.
Queriam cigarros, Pedro não fumava.
Queriam dinheiro, Pedro não tinha e o cerco apertava mais.

Até que Pedro tentou empurrá-los do seu caminho e de um dos bolsos saiu um calibre 45, luzidio e poderoso e bem apontado ao seu fígado.

Pedro relutante parou e tentou conversar, mas nada os demovia e nesse mesmo instante só sentiu uma coronhada na cabeça e cair, como que para dentro dum poço frio e escuro, onde tudo se apagou de repente.
(continua)

Tuesday, July 17, 2007

Histórias de Embalar (Cap II)

"- Dª Teresinha!", voltou Pê a gritar.

Assustada, a velhota acudiu escada a cima a correr, o mais possivel que as pernas corcumidas pelo tempo lhe permitia: "- o que se passa, menino?".

"- Dª Teresinha", disse Pê ainda meio zonzo do que acabara de fazer, "o seu filho lá no Luxemburgo tem uma oficina de automóveis, não tem?"

"- Tem sim, menino", retorquiu a velhota já mais descansada, mas ainda assim atarantada com todo aquele aparato que via pela nesga da porta da casa-de-banho. Mas falando do seu filho, Dª Teresinha esquecia tudo o resto.
"- Graças a Deus, teve muita sorte e muita cabeçinha e está bem na vida. É ele que me aguenta aqui a pensão, menino. Manda-me dinheiro todos os meses, nunca falhou, o meu querido filho do coração.
Ele bem queria que eu fosse para lá viver com ele, mas sabe menino, aqui é que é a minha casa, onde eu sempre vivi toda a minha vida, onde o criei sabe Deus com que dificuldades, desde que o meu Francisco faleceu.
O menino lembra-se do pai do meu Tonito, lembra-se?"
Pê engoliu em seco e abanou a cabeça que não e desviou o olhar para o chão (lembrava-se sim, perfeitamente, bem de mais! Apanhara-o uma vez aos apalpões a uma das cozinheiras, ali mesmo no meio pátio. Não fora o carinho que tinha pela Dª Teresinha, naquele mesmo dia teria feito queixa à mãe e os dois estariam no meio da rua).

A velhota embalada pelas lembranças e pela emoção continuava sem parar "... tinha 49 anos quando Deus mo levou. Foi o pior dia da minha vida.
Não podia continuar na mansão, menino, as lembranças eram muitas e por isso que saí de lá. A sua mãezinha bem me chamava, mas eu não conseguia.
O meu filho, o meu Tonito, esse anjinho... é muito meu amigo... o meu bébé!"
E com isto, veio à memória de Dª Teresinha todas as dificuldades por que passou, a saudade do marido e a do filho lá tão longe.

"- Mas a vida é assim, é como Deus quer!", assim se conformava Dª Teresinha.

Apressadamente, Pê interrompe a nostalgia e retoma "- prometo Dª Teresinha, que este será o último favor que lhe peço. Eu vou para o Luxemburgo e trabalho para ele. Dia e noite. Prometo pagar-lhe tudo o que lhe devo a si e para endireitar a minha vida de novo.
Começar de novo, é isso, começar de novo!" repetia Pê, como se assim acreditasse mais fácilmente em si próprio. Mas Pê estava decidido. Iria começar de novo, sim.

"- Ó meu rico menino!", suplicava Dª Teresinha com as mãos em oração viradas para o céu, "mas não foi esse futuro que a sua mãezinha tanto ansiou para si. O menino é um doutor, não é para sujar as mãos em óleos e aquelas coisas dos carros", continuava a velhota ainda incrédula da vontade de Pê.
"- Não precisa pagar nada, logo há-de conseguir o lugar de volta no banco. Não tem que me pagar nada, menino!" dizia ela.

Carinhosamente Pê tentava convencê-la, "- A minha mãe também não queria que eu fosse um irresponsável arrogante e leviano, e foi no que me tornei ao ser doutor, Dª Teresinha. Foi ao que me levou tanto dinheiro que ganhei. Perdi tudo e quase pûs termo à vida e isso é a maior estupidez e cobardia. A pior atitude da minha vida, mais fundo não poderei ir."
E continuava, " preciso andar para a frente, Dª Teresinha e por isso lhe peço que me deixe sujar as mãos. Eu faço o que for preciso. Trabalho digno e honesto fará de mim um novo homem."

Dª Teresinha em lágrimas e rendida à energia que Pê irradiava ao falar, dirigiu-se para o telefone e ligou ao Tonito, ao seu bébé, ao seu bem sucedido bébé!

"Toniiito? É a mãe, querido....!"

(continua)

Monday, July 16, 2007

Dia 13 à... sexta-feira!


Para quem é supersticioso, o dia 13 calhar numa sexta-feira é de arrepiar os cabelos.

Eu gosto da sexta-feira 13, não me arrepiam os cabelos e antes pelo contrário, até é praticamente o único dia do calendário que coisas boas me acontecem.


Ora vejam:


Na passada sexta-feira viajei com o meu Afonso de avião para Amsterdão: vôo cheio, completamente cheio, mais que cheio, todo rebentado pelas costuras - o que eles chamam de "vôo em overbooking".

Vou sempre cedo para o check-in e peço janela por causa do miúdo: não havia, só o belo do lugar do "meio" e coxia (!), pois que remédio, lá fui de cartões de embarque na mão.

Chegada à porta, pediram-me para sair da fila e esperar. Raios, que mais poderia acontecer!!


Veio a chefe de escala ter comigo: "- Boa tarde, peço desculpa, mas estamos com problemas de lugares, vamos ter que lhe pedir se não se importa de... ir em executiva!!"


E tanto que eu queria ir enfiada no meio da plebe, à qual com toda a honra e jubilo, pertenço!

Ganda pinta, hein!? (:

Wednesday, July 11, 2007

Histórias de Embalar

Pedro vivia sózinho na sua grande mansão.

Conseguida a custo, muito custo.

Era a inveja contida dos vizinhos, dos lavradores da região.

Passaram-se 10 anos desde que Pê (era como os amigalhaços lhe chamavam) decidira largar a vida da cidade, metrópole dos horrores da noite, dos vícios carnais e mundanos, das longas horas de jogo, alcool e sexo...

Pê pertencia à administração dum pequeno banco, mas o ordenado era de Lorde e como Lorde ele vivia e gastava. No jogo, na dose e com Táta.

Táta, deusa, louca e divertida Táta.

Não a podia chamar de namorada, ele desconfiava que ela dormitava com a melhor amiga dela e tb um colega lá da Editora. Mas isso não importava a Pê, ele era doido por ela e não a largava nem por nada.

Ela tinha sido a única que até aquele dia, lhe tinha vindo a proporcionar os melhores orgasmos como nunca ninguém antes. E se ele teve outras antes...

Táta era sensual, divina mestre da arte, trabalhava-o ao ponto de ele se desprender da alma e o seu corpo virar marioneta de prazer lascivo nas mãos dela. Com ela ele derretia e era assim que até gostava de morrer, enterrado nos seus fluídos, ensurdecido pelos guinchos libidinosos e perdido fálicamente no tempo.

Pê sabia que isso era o máximo que Táta podia dar: bom sexo, alias extra-fenomenal sexo, nada mais... e afinal nada mais interessa, só complica, só atrapalha.

Pê passava no supermercado para comprar mais garrafas de Cardhu e de caminho parava na farmácia do Sr. Mário para novo stock de seringas. Ía buscar Táta às 20h30 e quem trazia o "material" era Carlão, o tal que ele desconfiava. E era assim todas as 5as feiras.
Festa rija! Sempre.

Até que, até que a dose lhe começou a atordoar os sentidos e a razão, perdendo a cada semana mais que na anterior. Hipotecou a casa, vendeu as jóias, os terrenos, o seu Porsche Carrera, tudo que o dinheiro tinha podido comprar.

Até que os ciúmes se apoderaram cada vez mais dele deixando-o no limiar da loucura, do desespero pela perda de Táta.
E assim se viu sem nada, sem dinheiro, sem o Porsche Carrera, sem os amigalhaços... e sem Táta.

Viveu uns dias na Pensão da Dª Teresinha, por caridade.
A senhora tinha sido governanta da mãe e tinha pena do menino e albergava-o como se dum próprio filho se tratasse.

Pê nem queria acreditar, tinha perdido tudo.
Os amigos nunca mais o quiseram ver e pior que tudo: veio a saber que Táta tinha engravidado de Carlão.

Nesse mesmo dia, Pê resolveu cortar os pulsos.
Fechou-se na casa-de-banho, água a correr na banheira, post-it no espelho com a mensagem "Merda para todos vocês!" e ... e... não conseguiu!

Pê ficou a olhar o espelho, e.... não conseguiu.

Arrancou o post-it amarelo, deitou-o para a sanita, voltou a olhar para o espelho e pensou: "- Não foi para isto que eu torrei as pestanas a estudar, não foi para isto que me puseram no mundo! Não! Não me vou enterrar mais! BASTA!"

Limpou a cara do suor, do choro e ranho que os nervos e o desespero tinham encoberto e dali triunfantemente gritou: "Dª Teresinhaaa!! "

[Continua]

Tuesday, July 03, 2007

Fragilidades da Vida

Hoje faleceu um amiguinho meu do tempo da minha infância.


Foi de repente.


Como é que se morre aos 36 anos de repente?! Embolia, disseram.


E agora? Ficam as memórias, as mesmas que se com sorte não apanharmos Alzheimer, as mesmas que o cérebro e o coração nos permitirem guardar e lembrar.


As brincadeiras de miúdos, os jogos de ping pong, as primeiras idas e saídas à noite e as primeiras conversas sérias: sobre os namorados e as namoradas, sobre a morte da mãe (faleceu quando ele apenas tinha 9 anos), da evolução no emprego, das perspectivas de vida, do passar a vida a trocar de carro, da cilindrada da mota nova,...


Bolas!


E passaram-se 4 anos desde a última vez que nos vimos, cruzamo-nos no caminho e foi a rir e bom rir. Mal sabiamos, mal sabiamos... como frágil é a vida.


Paulinho, onde quer que estejas, fica em paz!


Um beijo

Monday, July 02, 2007

País Dominicana


... foi como lhe chamou o Afonso - à República Dominicana.
Para férias, para recuperar energias, para descansar, para voltar às duas horas dentro d'agua (tal como na adolescência), para pôr a leitura em dia, para reacender paixões, para correr na praia ao pôr-do-sol à beira mar, para namorar, para saborear outra gastronomia, para deliciar com outra cultura e vivência, para divertir com os miudos, vale a pena.
Pena é as cobras de areia, os escaldões do sol, os remorsos do corpo disforme pela idade e pela inércia da vida, os preconceitos aos beijos dos casais d'elas, os nervos pela falta do Starbuck's, os receios de habituar a esta vida e não poder, as saudades do amor que teimou em ficar para trás, a tristeza da distância dos entes queridos, a pobreza dos habitantes locais.
Pena é não ter sono, nem sapatinhos de cristal.
Pena é haver tanto para ver e tão pouco t€mpo.