Tuesday, July 22, 2008

Morte no andar de cima

Acabou de cair pela escada abaixo, vinda do andar de cima, uma miúda com uns 4 anitos.
Não morreu nem partiu nenhum osso (e ainda bem, claro) mas de ficar toda negra, já não se livra.
Está agora ali a chorar baba e ranho e convenhamos que não é para menos já que a moçinha galgou de cabeça, 2 valentes lanços de escada.
Bom, é certo que isto já fez acabar a festa: havia festa no andar de cima.
Aliás, faz 4 dias que há festa no andar de cima.
Etnia africana, não cigana.

Tudo isto fez reavivar o meu velho enigma: as várias formas de se reagir à morte de um familiar ou ente querido nas várias culturas.
Em síntese, com todo o devido respeito e pêsames à família, partilho convosco.

Na semana passada faleceu o patriarca do andar de cima; carpidou-se; lamentou-se; velou-se o corpo.
No dia seguinte estava um papel afixado na porta da escada (entrada do prédio) informando hora e local do funeral.
Nesse mesmo dia após a cerimónia - que foi Sábado, as lamúrias e lamentações deram lugar ao arrasto de móveis e uma azáfama de gente num entra e sai como nunca vi.
Fez muito calor toda a semana e como tinham sempre a porta aberta (até porque a casa era pequena para a quantidade de gente que se reuniu) toda a vizinhança pode acompanhar, mesmo que involuntariamente, o desenrolar do processo.
De seguida, foi o tilintar de copos, o manusear de pratos e o cheiro a cozinhado (delicioso diga-se de passagem).
Só não houve música, mas a alegria era tal que se existe vida além da morte acredito que o falecido vizinho estivesse bem contente.
Assim se despedem familiares e amigos na hora do último adeus.


Culturas tão distintas apenas a dois lanços de escada e no entanto, tanta celeuma causou junto dos restantes vizinhos que fraca abertura têem para aceitar e respeitar que cada um tem direito e é livre de fazer o luto que assim bem entender.

Quem tem razão?
Eles, que na sua crença se regozijam pelo familiar finalmente encontrar o descanso e partir para o paraíso prometido ou nós, que nos definhamos em tristeza e saudade pelo familiar que nos deixou sós?

Saber lidar com a morte - esse eterno enigma do conhecimento. Qual a verdade? Interessa conhecê-la?

Entretanto, a moçinha já se calou...

7 comments:

osbandalhos said...

Etnias...
Quem tem razão é o Quim, o que quer que ele pense sobre o assunto. Afinal, a morte não é mais do que a natureza ordenando-nos para abrandar. :))

**** said...

Lá o que é creio que todos sabemos, agora como lidar com isso?
Essa é que é a questão!

Anonymous said...

O respeito... o respeito pela diferença, o respeito pela igualdade.
A tolerância.... a tolerância com os que nos estão próximos, tolerância com os que nos estão mais afastados.
Apenas não pode haver respeito ou tolerância pela estupidez

**** said...

Numa postura mais samaritana, até pela estupidez pode haver tolerância.
Já que até os estúpidos são filhos de Deus... (:

Agora respeito por eles, isso é outra conversa.
Só não evolui quem não quer e etapas de crescimento há muitas, basta querer começar, mesmo que devagarinho.

notyet said...

Quando questionas quem tem razão, estás a admitir a unificação da razoabilidade.
Acho que cada um terá a sua razão, lá bem no fundo, e, desde que ela não interfira em directo na esfera do próximo, quem tem com isso ?

**** said...

Não vivemos sózinhos Notyet, não é tão simples quanto isso.
A sociedade, a cultura a que pertencemos ou mesmo que involuntariamente seguimos, ensina-nos e mostra-nos como reagir a isto ou aquilo.
Não obstante, há quem se esqueça do fundamenal para todas elas (culturas) e para todas as questões: respeito.

O fulcral é encontrar a forma de sofrer menos com a perda do ente querido, que na sociedade onde pertenço, me ensina a sofrer muito, horrores até se for alguém chegado... e porquê?

Não será melhor como aconteceu no andar de cima?

notyet said...

É. O fulcro está aí no imensurável sofrimento. Sinto o meu e não me atrevo a julgar o do outro.
Nem existe relevância na comparação.
A sua expressão pode ir do choro convulsivo ao riso incontido; da violência à passividade.
Resta aceitar e respeitar.
Quanto a não vivermos sózinhos ?!?!
Duvido. Ressalvada a aparência.